O melhor de mim
Desde antes de engravidar Carlos, meu esposo, defendia o parto humanizado (embora ainda não conhecesse esse termo) ao deixar claro que ficaria feliz que seu filho nascesse na água, porque era melhor para o bebê e para mim também. Eu achava muito estranho e pensava que deveria dar um jeito de fazê-lo desistir dessa “ideia maluca”. Pensava ser um conflito cultural (Carlos é colombiano) que eu tinha para resolver.
A gravidez foi muito tranquila e saudável. Tinha uma obstetra/ginecologista de total confiança, afinal ela é pesquisadora e para mim isso bastava. Então, estava em boas mãos.
Um dia, a caminho de uma consulta pré-natal, Carlos ressaltou a importância de conversar sobre o parto e eu logo disse que estava certa que seria cesárea, era o mais lógico e seguro e por aí segui meu discurso persuasivo: “nós devemos confiar na medicina, amor, na ciência (afinal somos pesquisadores, ambos fazendo doutorado)… se a cesárea existe é para evitar problemas…” (doutorandos ignorantes rsrsrsr).
Pois bem, nesse dia Carlos apenas disse que me apoiaria em qualquer decisão, desde que ela fosse o melhor para mim.
Por intermédio de uma amiga (Patrícia Asta), assistimos ao filme O Renascimento do Parto e, ao final, Carlos disse “e aí, como Ana Clara virá ao mundo?” e eu respondi “é certo que não pode ser cesárea, a menos que estritamente necessária, mas não sei como vou fazer isso”.
O fato é que o filme me tirou da zona de conforto – Ana Clara não ficaria para sempre na minha barriga e eu tinha que tomar uma decisão. E a cesárea já não fazia sentido, visto que tudo estava muito bem. E para decidir eu precisava me informar (hoje eu sei que isso é empoderar!)
Foi a partir daí que ele literalmente ” deu seu jeito” e por meio da mesma amiga fomos apresentados ao grupo Maternidade Suave e à querida Aline Barreto.
Confesso que não acreditava que aquilo tudo que falavam pudesse dar certo, não era minha realidade. Um dia ouvi lá que parir era gostoso e achei uma maluquice. Eu era e fui por muito tempo a mais cética do grupo; parecia uma militância exageradamente radical, muito distante das “minhas” crenças científicas (doutoranda ignorante mais uma vez rsrsrs).
Mas o grupo foi essencial no meu processo de empoderamento. É claro que deixei “minha” obstetra pesquisadora, li muitos artigos científicos (Sim, eles existem!!!) sobre parto natural humanizado e iniciei uma maratona em busca de uma que respeitasse minhas escolhas e permitisse à minha familia escrever nossa própria história.
E assim chegamos ao dia P-1, 39 semanas e 3 dias. Eram 3:15h do dia 29/04/15 e já não consegui mais dormir. Há alguns dias dormir já não era mesmo uma tarefa fácil. Mas dessa vez não era só o incômodo de falta de posição na cama. Estava com cólica. Ebaaaaaaaaaaaa, que delicia! Fiquei empolgada e senti que aquele era um dia diferente. Não acordei Carlos, mas não dormi mais. Tinha um perfil biofísico fetal para fazer naquele dia, como rotina da consulta semanal, e fomos para a maternidade. Já havia contado para Carlos, a cólica vinha acompanhada de uma leve contração e nós comemorando…durante o exame comentei com a médica e ela disse que podia até ser, mas muito incipiente, colo grosso ainda.
Carlos foi trabalhar, voltei para casa dirigindo e as contrações foram aumentando em intensidade. Mas estavam longe de terem alguma regularidade. Almocei com minha mãe, tomei um banho e fomos para o shopping – a essa altura eu sabia que estava diferente, mas estava convencida de que poderia levar mais de um dia ainda, então pensei “vamos andar para não ficar pensando na dor”.
Avisei minha doula Aline Barreto e fui ” bater perna” no shopping. Quando vinha a contração eu disfarçava. Não tinha contado para minha mãe para não criar expectativa, afinal podia durar muitas horas ainda em trabalho de parto e não queria controlar o tempo. Portanto, eu curtia a dor. Me emocionava a cada contração porque ela me aproximava da minha princesinha.
Chegamos em casa às 19:30h e fui para o quarto. As contrações estavam muito fortes, Carlos chegou do trabalho e eu mostrei os registros no aplicativo. Conversando com minha mãe na mesa de jantar veio uma contração muito forte e aí não deu pra disfarçar…e quando ela passou eu disse: ” sua netinha quer nascer”. Sorrimos, transbordando amor…
Fui para o quarto e aí já perdia a graça em cada contração. Buscava a posição, me concentrava na respiração e esperava…estava aumentando a intensidade e a duração entre as contrações era de apenas 2s. Quando mandei os registros do aplicativo para a Aline ela imediatamente disse que viria para minha casa e mandou que eu fosse para o chuveiro quente. Era a prova. Quando ela chegou em casa, cerca de meia hora depois, eu estava totalmente sem humor. Doía muito, tinha perdido o tampão mucoso, já havia avisado a obstetra e ela pediu que fosse à maternidade para ser examinada.
Eu me questionei se suportaria a dor do parto, porque ainda não tinha caído a ficha de que estava em trabalho de parto ativo, e se demorasse muito seria insuportável. Eu pensava que talvez eu tivesse usado o aplicativo de forma errada, apesar da Aline confirmar que realmente já estava engrenado. Fomos então para a maternidade; na minha cabeça, voltariamos e teria um longa jornada pela noite toda e, quem sabe, na manhã seguinte nós caminhariamos no parque do condomínio, piscina, massagens….ia fazendo planos para o meu TP.
Mal chegamos na maternidade, que fica a 5 min de casa, e eu não pude suportar a contração. Entrei sem mesmo fazer registro na emergência e, ao ser examinada, para minha surpresa (só MINHA mesmo!!!! Rsrsrs) eu estava com dilatação total!!!
Eram 22:40h e eu não acreditava. Não que eu não estivesse sentindo dor, estava muitooooooo intenso, mas para mim ainda ia demorar. Olhei para Aline e perguntei se a medica estava certa kkkkkkkkkkkkk. E então era mesmo a hora.
A médica (plantonista) ligou para minha obstetra, enfermeiras começaram a tirar minhas roupas, me colocaram numa cadeira de rodas e subimos para o centro cirúrgico. Eu tinha me preparado para ter o parto na água, mas então me informaram que a sala estava ocupada. Enquanto me encaminhavam para o centro cirúrgico, fui apresentada ao sistema:
1. a enfermeira brigou comigo porque meu cabelo estava molhado (oh, meu Deus, eu devia estar com cabelos escovados, soltos ao vento), tentaram secá-lo com secador, mas veio uma contração e eu saí da cadeira de rodas e fiquei encolhida no chão e ela desistiu de mim;
2. ao chegar no centro cirúrgico, a equipe de plantão a postos e a médica mandou que eu deitasse em posição ginecológica (hein?????) e eu falei que não… A contração veio e eu fiquei de quatro na maca (porque ela não me deixou ir para o chão);
3. Estavam preparando o instrumental para o parto normal e mandaram que eu deitasse para colocar o acesso à medicação (hein????) e eu novamente recusei, dizendo em meio a contrações que eu tinha escolhido o parto natural, que não queria anestesia nem medicação. Enfim, entre uma contração e outra eu brigava com o sistema e a plantonista me achando louca!!!! Afffffffff
Minha obstetra chegou em 25 min (ufaaaaaaaa) e então trocou-se o cenário!!! De cara, ela me perguntou em que posição queria ficar (isso é respeito!!). Ela e minha querida doula prepararam a sala para que eu ficasse em cócoras, improvisaram uma banqueta para que o Carlos pudesse me apoiar e elas ficaram ali, NO CHÃO (sim, porque elas respeitaram a minha escolha).
Luzes apagadas e a canção Reconhecimento tocando. Foi assim, num ambiente de celebração, de expressão máxima do amor, numa explosão de ocitocina, que Ana Clara veio ao mundo às 00:26h do dia 30 de abril.
Tudo muito lindo, prazeroso. E rápido! E, de fato, eu pude comprovar que o círculo de fogo te conduz do inferno ao céu em milésimos de segundos e você já não sente mais nada a não ser muito amor.
Dizer que não dói é mentira, dói de forma indescritível, mas não é o conceito de dor que conhecemos, conectada a um sofrimento. É uma dor de amor. Sagrada. Prazerosa. Puro êxtase.
Quando senti Ana Clara escorregar foi gostoso e eu desejei sim sentir tudo de novo. Parir é lindo!
E tê-la de uma forma tão respeitosa – Carlos participando de todo o processo me segurando em cada contração, médica e doula ali esperando a nossa hora, Ana Clara nos meus braços cheia de vernix, pediatra esperando o cordão parar de pulsar e entregando a Carlos para ele cortar, Ana Clara mamando e nós três ali, em contemplação por um tempo…
Quando levantei da posição não senti nenhuma dor, estava ótima, realizada e muito, muito feliz.
Sem pressa, sem hora marcada. Na hora dela, do jeito que eu escolhi. Perfeito. Divino. Eu vejo este cenário como uma grande celebração. Não houve sofrimento, só amor.
De tudo isso, grandes lições:
– não há decisão sem informação. Muito grata ao Carlos que correu atrás da informação e ao grupo Maternidade Suave, em especial à querida Aline;
– a natureza é perfeita, nós sabemos parir e os bebês sabem nascer. É uma sintonia, um encaixe perfeito.
– o sistema é uma merda (nojo)
– parir é divino, sagrado!
– e a dor? É a dor que você vai amar, incondicionalmente, como nunca amou.
Kátia Kelvis Cassiano Lozano